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Mais músculos e mais Lattes: como as redes sociais viraram academia e consultório?

Educadores físicos e especialistas alertam para riscos do treino sem acompanhamento e uso de inteligência artificial na criação de exercícios

Quando o TikTok chegou ao Brasil, a pandemia de covid-19 obrigou milhões de pessoas a se abrigarem em casa. Cinco anos depois, a crise sanitária deixou como legado uma geração que passou a usar as redes sociais como buscadores de informação e desinformação.

Seja no TikTok, no Reels ou, mais recentemente, no YouTube Shorts, influenciadores dominaram corações, mentes e corpos, especialmente no universo fitness.

Com o aumento de informações falsas e descontextualizadas, educadores físicos passaram a ocupar as redes sociais para divulgar conteúdo baseado em evidências científicas.

Foi o caso de Luiz Costa, treinador e especialista em ciências do treinamento de força, que encontrou nas plataformas uma forma de continuar trabalhando enquanto as academias estavam fechadas.

“Enquanto todos os meus colegas que trabalhavam comigo na sala de musculação estavam reduzindo o trabalho, eu resolvi direcionar esse trabalho que eu vinha fazendo para a rede social. Eu vi uma lacuna: não havia treinadores brasileiros comunicando de maneira clara e simples sobre o treinamento de força, sobre o powerlifting”, diz.

Durante a pandemia, Luiz passou a incentivar treinos em casa com conteúdos educativos e acessíveis. O que começou como alternativa temporária virou um modelo de negócio viável, com consultorias online e venda de cursos.

O outro lado do espelho digital

Apesar dos ganhos, Luiz reconhece que uma geração cada vez mais jovem — e desinformada — tem se exposto a riscos.

“Todas as semanas eu recebo alunos lesionados, e já fazem pelo menos quatro anos que atendo pessoas que chegam machucadas. Metade delas vieram lesionadas por treinar sozinhas.”

Segundo o treinador, os exercícios que têm possibilidade maior para progressão de carga, como supino, agachamento e levantamento terra, são os principais causadores de lesões. No atendimento feito por Luiz, a maioria dos casos envolve homens entre 18 e 29 anos.

Recentemente, Luiz atendeu três pessoas que se machucaram ao usar inteligência artificial (IA) para montar seus próprios treinos.

“Eu imagino que a IA tenha montado um treino a nível de campeão mundial”, ironiza.

A diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS), Daisy Motta Santos, alerta que a IA não substitui a análise de um profissional.

“A pessoa não tem capacidade para avaliar se aquele treino é adequado. Existem muitas variáveis que só alguém que estudou vai conseguir ajustar”, explica.

Luiz reforça que, mesmo como ferramenta de pesquisa, a IA tem limitações importantes.

“A inteligência artificial não vai conseguir dizer se você está ativando corretamente a musculatura, não consegue olhar seu movimento e saber onde errou”, enfatiza.

Geração influenciada pela aparência

Um dos tópicos centrais nas pesquisas sobre redes sociais e adolescentes é a percepção da autoimagem. De acordo com Daisy, os jovens têm usado as plataformas como espelhos distorcidos, em busca de padrões corporais irreais.

“O corpo daquele influenciador determina o quanto ele pode influenciar outras pessoas, mesmo que essa pessoa dê dicas sem embasamento científico”, comenta.

Nas redes, cada usuário personaliza, consciente ou não, o próprio algoritmo de consumo, o que impacta também a busca por conteúdos relacionados ao treinamento.

“O pessoal mais jovem vai para a academia e segue o profissional que quer, dentro do nicho e dos objetivos que desejam. Quem não se encaixa nesse padrão é descartado. O objetivo [desse influenciador] pode ser diferente do seu, o corpo é diferente, as proporções variam. Isso muda completamente a forma de fazer um movimento”, observa Luiz.

Além disso, ele lembra que muitos influenciadores possuem acompanhamento profissional, algo que não aparece nos vídeos. 

Em 2021, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) mapeou 33 perfis de influenciadores fitness no Brasil, cada um com mais de 100 mil seguidores, somando 30 milhões de pessoas alcançadas.

Os temas mais comuns foram nutrição e atividade física, especialmente em formatos de “dicas rápidas” ou “como fazer”. Essas postagens que, ilustradas por corpos definidos e estilos de vida aspiracionais, geraram média de 8,4 mil curtidas.

Segundo o estudo, essa estética reforça um ciclo de dependência emocional e comercial:

“Os influenciadores criam uma relação de dependência com seus seguidores ao associar saúde e sucesso à aparência física e ao consumo de suplementos ou produtos específicos”, descreve o artigo. 

Das 500 postagens analisadas, apenas 2,7% citaram fontes científicas. Mesmo assim, 76% dos influenciadores tinham formação na área da saúde, mas todos publicaram ao menos um conteúdo fora de sua especialidade

Os principais casos eram de nutricionistas prescrevendo treinos ou educadores físicos comentando sobre dietas e medicamentos. O estudo ainda revelou um paradoxo: quanto mais seguidores um influenciador tem, menor tende a ser sua qualificação acadêmica.

Como se orientar dentro e fora das redes?

Apesar de reconhecer que a teoria seja essencial para uma comunicação ética nas redes sociais, o treinador Luiz Costa destaca que é preciso conciliar conhecimento técnico e experiência prática.

Em 2022, Costa foi campeão paulista de levantamento de peso e conquistou o 3º lugar no Campeonato Brasileiro da Global Powerlifting Committee (GPC). Após deixar os palcos, passou a atuar como treinador de atletas e consultor remoto.

“Enquanto eu estudava sobre o treinamento de força e aprendia a treinar, eu ensinava as pessoas, explicava o que estava sentindo no meu corpo”, comenta.

Formado em Educação Física, Luiz atualmente cursa Medicina e se especializa em Medicina Esportiva. A combinação entre teoria e prática, segundo ele, é o que garante credibilidade e responsabilidade no ambiente digital.

A diretora científica da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS), Daisy Motta Santos, destaca a ausência de políticas públicas voltadas à prática esportiva no país. Para ela, o acompanhamento profissional ainda é um privilégio de poucos.

“PARA TRAZER BENEFÍCIO PARA SAÚDE O EXERCÍCIO FÍSICO PRECISA SER FEITO NO MOMENTO DE LAZER. ALÉM DISSO, É DIFERENTE DE ATIVIDADE FÍSICA, EXERCÍCIO TEM PLANEJAMENTO. A ESCOLHA DE FAZER EXERCÍCIO FÍSICO É UM PRIVILÉGIO; UMA PESSOA SEM CONDIÇÕES FINANCEIRAS NÃO FAZ”, ENFATIZA DAISY.

A falta de incentivo governamental reforça a desigualdade no acesso à saúde e abre espaço para influenciadores sem formação adequada dominarem o debate sobre corpo e bem-estar nas redes.

Por isso, Luiz defende que profissionais que atuam nas redes sociais precisam ter responsabilidade e ética ao compartilhar informações.

“As pessoas que procuram profissionais na internet precisam ver se eles têm uma boa base científica, se possuem formação técnica relevante”, orienta.

O educador físico reforça que, em um ambiente digital saturado de conteúdos fitness, a credibilidade é construída com estudo, transparência e prática.

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