Donald Trump sabe jogar com o suspense. No avião, ele ri da pergunta sobre uma operação secreta na Venezuela e responde com ironia: “Claro que eu não diria isso aqui.” Depois, em rede nacional, diz que não há ataque iminente — mas garante que “os dias de Nicolás Maduro estão contados”. É o velho jogo da ambiguidade que ele domina tão bem: cria medo, expectativa e manchetes. E, no meio disso tudo, quem paga o preço é sempre o povo. (03/11)
A lógica do espetáculo
Trump nunca fala apenas com os jornalistas — fala com a plateia. É o estilo que o levou à Casa Branca e que ele tenta reavivar agora, em plena campanha para voltar ao poder. Ele transforma crises em entretenimento político, ameaças em roteiro, e guerras em palco. A Venezuela, fragilizada e exaurida, é só o cenário mais recente dessa encenação.
Ao manter o mistério sobre possíveis ações militares, Trump faz o que sempre faz: desloca a atenção de problemas domésticos e alimenta o discurso de força. É uma estratégia conhecida, perigosa e profundamente irresponsável.
O déjà vu das “libertações”
A história recente é implacável: Iraque, Líbia, Afeganistão. Cada vez que os Estados Unidos “libertam” alguém, o resultado é o mesmo — caos, vácuo de poder e tragédias humanitárias. Derrubar um ditador é a parte fácil; reconstruir o país é o que nunca vem.
A diferença é que, no caso da Venezuela, as Forças Armadas controlam a economia. Cada general é dono de um pedaço do Estado. A ideia de que uma intervenção externa resolveria algo é tão ingênua quanto perigosa.
Guaidó, o fantasma do fracasso
Trump já tentou antes, apoiando Juan Guaidó em 2019, quando o ex-deputado se autoproclamou presidente com o aval dos EUA e da Europa. O golpe não deu certo. Guaidó hoje vive exilado, e Maduro continua firme no poder — sustentado pelos mesmos militares que se beneficiam do sistema que ele criou.
A política do medo
O novo discurso de Trump, portanto, não é sobre democracia nem liberdade. É sobre poder e influência. É sobre manter viva a narrativa de um inimigo externo que justifique sua retórica interna. Ele ameaça, recua, ameaça de novo. Cria o caos e vende a promessa de controlá-lo.
Mas, no final, o que sobra é o medo — e uma América Latina mais tensa, mais instável e mais usada como figurante num filme que nunca muda o final.
