Ao Vivo TMC
Ao Vivo TMC
Thiago Aragão
Thiago Aragão
Analista político e consultor em risco político, com base nos EUA, Thiago Aragão tem um profundo conhecimento em política americana e suas implicações globais. Ele analisa as dinâmicas das políticas externa e interna dos Estados Unidos, o impacto das decisões de Washington nas relações internacionais e a geopolítica das Américas.

Brasil entre gigantes: o desafio de equilibrar EUA e China em tempos de Trump

Já se passaram onze meses desde que Donald Trump voltou à presidência dos Estados Unidos, e o clima internacional mudou visivelmente. O confronto comercial e estratégico entre Washington e Pequim ganhou novo fôlego, e o Brasil, como grande economia emergente, se vê novamente no meio desse embate. A China segue sendo o principal destino das exportações brasileiras, enquanto os Estados Unidos continuam fundamentais no campo financeiro, tecnológico e institucional. Nesse cenário, o desafio brasileiro é equilibrar-se entre as duas potências sem se tornar um alvo desnecessário, tarefa que exige paciência, discrição e pragmatismo para proteger os interesses nacionais sem se deixar arrastar pela retórica dos gigantes.

Nos últimos anos, a China consolidou-se como o principal parceiro comercial do Brasil. Desde 2009, o país asiático supera os EUA como maior comprador de produtos brasileiros. Em 2024, cerca de 28% das exportações brasileiras tiveram a China como destino, quase o triplo do montante exportado aos Estados Unidos. Essa dependência ficou evidente em setores-chave: a China já responde por metade das vendas externas da agropecuária e da mineração brasileiras, sendo a maior importadora de soja, minério de ferro, petróleo e proteína animal. A pauta ainda é concentrada em commodities, mas há sinais de diversificação: no primeiro trimestre de 2025, 23% das exportações brasileiras para a China foram de manufaturados, uma fatia maior que nos anos anteriores. Essa evolução indica interesse mútuo em ampliar a cooperação além do mero intercâmbio de matérias-primas.

A importância chinesa também se reflete nos investimentos e projetos estratégicos. A China tornou-se um dos principais investidores estrangeiros em infraestrutura no Brasil, financiando e executando obras de ferrovias, energia e tecnologia. Em 2025, empresas chinesas anunciaram em parceria com o governo brasileiro a construção de uma ferrovia transoceânica ligando o Brasil ao Pacífico, e a montadora BYD inaugurou sua primeira fábrica de carros elétricos fora da Ásia, instalada na Bahia. Tais iniciativas reforçam os laços econômicos e comprovam que os laços entre os dois países estão em seu melhor momento histórico. Do lado brasileiro, há receptividade: a diplomacia de Brasília vem elevando o perfil de sua representação em Pequim, alocando oficiais militares de alto escalão na embaixada, um nível de atenção antes reservado apenas a Washington. Em suma, a China hoje é indispensável para o crescimento brasileiro, garantindo mercado para produtos nacionais e investindo em setores críticos da economia.

Apesar da ascensão chinesa, os Estados Unidos continuam sendo um ator econômico e financeiro crucial para o Brasil. Os EUA ainda figuram entre os maiores destinos das exportações brasileiras, cerca de 11% do total, e são uma importante fonte de importações de bens de alto valor agregado. Além do comércio, o sistema financeiro brasileiro mantém vínculos profundos com Wall Street e o dólar. Muitas empresas brasileiras captam recursos nas bolsas e bancos norte-americanos, e o próprio governo federal depende do apetite de investidores internacionais, majoritariamente sediados nos EUA, para emitir dívida externa em dólares. Esse fluxo de capitais demonstra que decisões de política monetária nos EUA, como as taxas de juros do Federal Reserve, têm impacto direto sobre o câmbio, a inflação e o financiamento da economia brasileira.

No campo dos investimentos produtivos, os EUA também ocupam posição de destaque. Empresas norte-americanas acumulam décadas de presença no Brasil, investindo em setores que vão do petróleo à indústria farmacêutica e do agronegócio ao setor financeiro. Embora a China venha ampliando seu papel investidor, os EUA ainda são uma das principais fontes de investimento estrangeiro direto no país, além de parceiros em inovação e cooperação técnica. Culturalmente e institucionalmente, os laços também são fortes: inúmeras autoridades e executivos brasileiros têm formação nos EUA, e as instituições financeiras locais operam sob influência dos padrões e regras globais muitas vezes definidos em Nova York ou Washington. Em resumo, uma ruptura ou tensão grave com os Estados Unidos poderia desestabilizar mercados, encarecer financiamentos e isolar o Brasil de importantes circuitos financeiros.

Com Trump de volta à Casa Branca, a disputa geopolítica e comercial entre EUA e China se acirrou, colocando países como o Brasil em situações delicadas. Nos primeiros meses de 2025, Washington adotou medidas duras que atingiram diretamente interesses brasileiros. Em agosto, o governo Trump impôs tarifas de 50% sobre uma série de produtos do Brasil, incluindo café, alegando razões de comércio desleal. A decisão surpreendeu porque o Brasil não tem superávit comercial com os norte-americanos, na verdade, ocorre o oposto, com os EUA exportando muito mais para os brasileiros. Isso sugere que as motivações foram políticas, não apenas econômicas. Em uma interferência sem precedentes nas questões internas brasileiras, Washington chegou a sancionar um ministro do Supremo Tribunal Federal e revogar o visto de um ministro da Justiça em represália, azedando o clima diplomático entre Brasília e Washington.

O impacto comercial foi imediato. Exportadores brasileiros sentiram a perda de acesso ao mercado americano em certos produtos, e setores como o do aço, já afetados por cotas e tarifas desde 2018, redobraram a preocupação com o protecionismo crescente de Trump. Em resposta, o governo Lula considerou adotar medidas retaliatórias junto com outras nações emergentes, coordenando-se com Índia e China para pressionar contra as tarifações unilaterais norte-americanas. Pequim, por sua vez, aproveitou a oportunidade para se aproximar ainda mais do Brasil: diante do fechamento parcial do mercado americano, a China ampliou imediatamente suas importações de produtos brasileiros, autorizando novas empresas exportadoras a acessar o mercado chinês. O próprio chanceler chinês telefonou ao chanceler brasileiro para oferecer apoio contra o unilateralismo e o bullying nas relações internacionais. Xi Jinping e Lula reforçaram o compromisso de construir uma parceria estratégica de longo prazo, pautada na confiança mútua e na ideia de um futuro compartilhado.

Entretanto, um alinhamento excessivo com a China também traz riscos. Embora a cooperação sino-brasileira esteja em alta, Brasília não deseja colocar todos os ovos numa cesta só. Há preocupação de que depender demais de um parceiro, seja a China ou os EUA – torne o Brasil vulnerável a pressões e represálias econômicas. Se no futuro surgir um atrito sério com Pequim, setores inteiros do agronegócio brasileiro poderiam sofrer com restrições de mercado; já uma ruptura com os EUA poderia significar fuga de capitais e isolamento financeiro. Além disso, o embate entre Washington e Pequim pode mudar conforme governos e circunstâncias, e o Brasil precisa se preparar para cenários diversos. Trump não será presidente para sempre, e eventuais mudanças na política americana ou chinesa podem redesenhar alianças. Portanto, cautela é a palavra de ordem: o Brasil deve evitar ações precipitadas que o tornem alvo direto em disputas que vão muito além de suas fronteiras.

Diante desse quadro complexo, o Brasil precisa reconhecer que escolher um dos lados não é uma opção viável. Tanto Estados Unidos quanto China são parceiros indispensáveis em diferentes dimensões, e a prioridade brasileira deve ser afinar as relações com ambos, extraindo benefícios de cada um. Essa abordagem exige paciência e discrição: paciência para suportar eventuais pressões de curto prazo sem romper diálogos, e discrição para evitar retórica inflamada ou posicionamentos públicos desnecessariamente polêmicos, que poderiam converter o Brasil em alvo de retaliação. Em outras palavras, menos declarações bombásticas e mais diplomacia silenciosa. Em vez de rebater agressivamente provocações, Brasília pode buscar canais técnicos de negociação comercial, recorrer a fóruns internacionais e trabalhar em coalizão com outros países emergentes para diluir confrontos.

Outra peça-chave da estratégia é a diversificação das parcerias. Como destacou um assessor diplomático recentemente, se tarifas como as de Trump tivessem sido impostas 25 anos atrás, teriam sido desastrosas; hoje são incômodas, mas manejáveis, justamente porque o Brasil ampliou seu leque de mercados. Seguindo esse princípio, o governo vem buscando fortalecer laços com a Europa, a Ásia e outros países do Sul Global, reduzindo a dependência de qualquer única potência. Em 2025, o Brasil retomou negociações do acordo Mercosul–União Europeia, explorou novas frentes comerciais com parceiros como México e Vietnã, e aprofundou a cooperação no âmbito dos BRICS e da CELAC. Essa diplomacia econômica ativa aumenta a margem de manobra brasileira.

Em resumo, o Brasil precisa de jogo de cintura nas relações internacionais. Alguns princípios orientadores para esse equilíbrio delicado incluem manter a neutralidade pragmática, evitar provocações desnecessárias, apostar no multilateralismo, diversificar mercados e fortalecer a resiliência interna. Seguindo essas diretrizes, o Brasil pode navegar com segurança entre as duas superpotências. Não se trata de uma tarefa fácil, exige visão de longo prazo e sangue-frio diante de pressões imediatas. Mas a história recente mostra que é possível. Quando confrontado com tarifações recordes e sanções políticas dos EUA, o Brasil não retaliou de forma impulsiva; ao contrário, reafirmou sua soberania de forma serena, estreitou laços com parceiros alternativos e deu tempo ao tempo. Essa diplomacia da paciência já rende frutos: em vez de isolamento, o Brasil colheu respeito por sua postura equilibrada. Inclusive dentro dos próprios Estados Unidos há quem alerte que uma guerra comercial com o Brasil prejudicaria as economias de ambos os países e empurraria o Brasil ainda mais para os braços da China.

O Brasil de 2025 deve continuar trilhando o caminho do equilíbrio elegante: falar menos e agir mais, ampliar pontes em todas as direções e manter o foco no desenvolvimento nacional. Numa era de rivalidade entre Trump e Xi, ser amigo de ambos sem ser inimigo de nenhum é o melhor negócio para o Brasil. Com paciência e discrição, o país pode transformar a competição alheia em oportunidade própria, crescendo economicamente enquanto afirma sua autonomia no cenário global.