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“Uma coisa que tem em todas as favelas é gente com sede de mudança”, diz cineasta

No Dia das Favelas (04/11), Valter Rege comenta sobre a importância de ressignificar a data pelo que o que chama de “Favela Positiva”; entenda a origem de termo e o surgimento das comunidades

Por Renan Honorato

Há exatos 125 anos, o termo “favela” apareceu pela primeira vez em um documento oficial para definir o conjunto de barracos construídos pelos veteranos da Guerra de Canudos no Morro da Providência, no Rio de Janeiro.

Em 2006, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou a Lei nº 4.383, que instituiu o dia 4 de novembro como o Dia das Favelas, data adotada por São Paulo em 2015.

Após a Operação Contenção, em que 121 pessoas foram mortas em confrontos com a polícia, a efeméride ganha um novo significado, segundo o cineasta e criador de conteúdo Valter Rege, 41 anos.

“Foi um grande ato político para enfraquecer ainda mais quem já é enfraquecido. Quando tentamos pensar além, não conseguimos, porque os estereótipos estão lá”, comenta.

Dados do HabitaSampa indicam que existem mais de 1.700 favelas cadastradas na Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo, com cerca de 400,6 mil domicílios estimados. No Rio, o IBGE calcula 1.724 favelas.

“As pessoas começaram a falar: ‘o povo ajuda o tráfico, o povo não quer sair da favela porque não quer’. Nunca foi escolha, porque se você der oportunidade a qualquer pessoa, ela vai querer estudar — até o traficante”, afirma Rege.

O que é “Favela Positiva”?

“A ‘Favela Positiva’ é um mantra, uma filosofia de vida, é mostrar o que o mercado não mostra”, define o cineasta. Atualmente, Rege apresenta o Pod Perifa, podcast que conta as histórias de moradores de comunidades.

“O que tento desmistificar nas minhas ideias é que a favela é plural. Dentro da favela, cada lugar é diferente. A favela é plural”, reforça.

Morador entre os bairros de Vila Clara e Americanópolis, na divisa entre Diadema e São Paulo, Rege construiu uma carreira como criador de conteúdo após ser chamado de “macaco” em uma produtora de filmes. O episódio o motivou a roteirizar e produzir Preto no Branco, curta-metragem exibido na Índia, no Canadá e em Berlim.

“Quando fiz o curso de audiovisual em Diadema, foi a favela em peso que pegou uma Kombi e foi assistir ao meu filme”, relembra. “Na favela existe um senso de comunidade, até porque não tem como fugir disso: as paredes são grudadas, não tem como evitar o vizinho. A gente precisa interagir.”

As primeiras cenas que Rege gravou foram com uma Handycam Vision, que comprou aos 13 anos. Com uma câmera nas mãos e ideias fervilhando na cabeça, ele passou a filmar primos e amigos em produções de terror trash a histórias românticas.

“[Quando me mudei para Vila Clara], qualquer coisa era tiro; naquela época, era corpo no asfalto”, conta.

Formado pela Belas Artes e “validado pela favela”, como gosta de dizer, Rege viajou o mundo e esteve no Rio de Janeiro para conhecer o AfroGames, programa voltado a gamers na favela do Vigário Geral.

“Vi coisas que aqui em São Paulo eu não via — como armas e drogas —, mas uma coisa que tem em todas as favelas é gente com sede de mudança e de educação.”

Homem com cabelo rosa e óculos escuros relaxa em uma cadeira de praia colorida, usando regata preta e segurando um copo pequeno, sob sol forte em uma área externa de piso de cimento e parede bege.
“A ‘Favela Positiva’ é um mantra, uma filosofia de vida, é mostrar o que o mercado não mostra”, define o cineasta (Foto: Arquivo Pessoal)

Favelas: como surgiram?

O surgimento das favelas no Rio de Janeiro remonta ao final do século XIX, período de intensas transformações urbanas, sociais e econômicas após a abolição da escravidão e a chegada de ex-combatentes de Canudos ao então Distrito Federal.

De acordo com o artigo “A origem da favela no Brasil: um olhar histórico e social”, os primeiros núcleos de moradia informal surgiram pela falta de acesso à habitação formal e pelo crescimento desordenado de uma cidade que buscava se modernizar.

O arquiteto e historiador Nireu Oliveira Cavalcanti, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que o surgimento das favelas foi consequência direta de dois processos: primeiro, as reformas urbanas que buscavam transformar o Rio em uma “Paris tropical”; em seguida, o crescimento dos cortiços, habitações coletivas que abrigavam imigrantes, recém-libertos e trabalhadores.

Em São Paulo, o processo de formação das favelas começou mais tarde — entre as décadas de 1940 e 1950 —, impulsionado pelo acelerado processo de industrialização e pelo intenso fluxo migratório interno, que gerou uma demanda habitacional sem precedentes.

Segundo o artigo “Favela: o desafio de morar na metrópole paulistana”, publicado pela PUC-SP, a capital paulista se transformou rapidamente no século XX, empurrando as populações de baixa renda para áreas periféricas sem infraestrutura. O resultado foi o crescimento de bairros informais, muitas vezes localizados em encostas, margens de rios ou zonas de mananciais.

Leia mais: MPRJ faz perícia independente em vítimas da Operação Contenção

Remoção e racismo como políticas de Estado

Durante as primeiras décadas do século XX, o crescimento das comunidades foi acompanhado pela ausência de políticas habitacionais permanentes. O poder público preferia ações pontuais de remoção, inspiradas em ideais higienistas e modernizadores.

Na metade do século, políticas como a dos Parques Proletários, no Rio, tentaram “ordenar” as favelas sem resolver o problema estrutural da exclusão urbana. Entre as décadas de 1960 e 1980, a relação do Estado com as favelas alternou ciclos de remoção em massa e urbanização parcial.

Governadores como Carlos Lacerda, do antigo Estado da Guanabara, promoveram remoções em larga escala, transferindo moradores para conjuntos habitacionais periféricos, como a Cidade de Deus. Essas políticas removicionistas, segundo o artigo “Políticas de urbanização de favelas no Rio de Janeiro”, reforçaram desigualdades espaciais e consolidaram o estigma das favelas como territórios marginais.

Tentativas de integração das favelas à cidade

Em São Paulo, as políticas públicas oscilaram entre intervenções verticalizadas, como o Projeto Cingapura (anos 1990), e programas de urbanização comunitária, como os mutirões de habitação e as regularizações de mananciais.

As gestões de Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta e Marta Suplicy tiveram papéis distintos nesse processo, alternando entre participação popular e soluções de mercado.

No Rio, as administrações de César Maia e Luiz Paulo Conde lançaram o programa Favela-Bairro, que marcou uma virada ao propor a integração urbana e social desses territórios. A iniciativa levou infraestrutura, saneamento e equipamentos públicos às comunidades, reduzindo o foco em remoções e apostando na urbanização integrada.

Nos anos 2000 e 2010, novas políticas ampliaram essa abordagem, com o Morar Carioca e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), criadas durante os governos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes. Essas ações combinaram segurança territorial e urbanização social, mas foram criticadas por priorizar grandes eventos e não enfrentarem a precariedade de forma estrutural.

Leia mais: 64% dos moradores do Rio de Janeiro aprovam a Operação Contenção, diz pesquisa

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